Desenhos hiperestimuladores: como afetam o comportamento das crianças
Especialista pede atenção ao que as crianças assistem Cotidiano | Por F5 News 16/08/2025 07h00 |Ansiedade, agitação, estresse, desatenção, impulsividade. Reações consideradas comuns em pessoas adultas, mas que têm sido observadas também em crianças nos últimos tempos. A causa desse problema se encontra em um inimigo quase que imperceptível: desenhos animados hiperestimulantes.
O F5 News conversou com a psicóloga Yasmin Ferreira, que explicou que desenhos com ritmo acelerado, cortes rápidos, estímulos sensoriais intensos (sons, cores, brilhos) e tramas pouco coerentes podem dificultar o desenvolvimento da atenção sustentada, da autorregulação emocional e do controle inibitório, habilidades fundamentais para o comportamento saudável.
“A exposição precoce e prolongada a esse tipo de conteúdo pode favorecer comportamentos mais imediatistas, a dificuldade em lidar com o tédio e a menor tolerância à frustração”, afirma a psicóloga ao portal.
Dentre os efeitos causados em crianças, principalmente durante a primeira infância, fase em que o cérebro está em intensa formação e é altamente plástico e sensível a estímulos ambientais , podem ser observados: sobrecarga sensorial (dificuldade de organizar muitos estímulos ao mesmo tempo), dificuldade em desenvolver foco e atenção sustentada, menor capacidade de imaginação ativa, aumento da impulsividade, maior intolerância ao tédio e a tão temida alteração do sono.
“A neurociência mostra que o cérebro infantil precisa de experiências com ritmo coerente, repetições construtivas e pausas para estruturar habilidades cognitivas, emocionais e comportamentais de forma saudável”, explica Ferreira.
Desenhos antigos x Desenhos atuais
Uma grande discussão que envolve essa temática é a famosa ideia de que “na minha época os desenhos eram melhores”. Essa afirmação pode ser considerada equivocada, mas, nesse contexto, pode ter fundamento.
Yasmin destacou que os desenhos de antigamente apresentavam ritmo mais lento, diálogos pausados, narrativa com início, meio e fim, além de estimular a linguagem e transmitir uma moral da história. Já os atuais — com algumas exceções — são marcados pelo excesso de estímulos visuais e sonoros, mudanças rápidas de cena, músicas agitadas e linguagem empobrecida.
“No contexto social, isso se reflete em crianças com menor paciência, mais dependentes de telas, com dificuldades de socialização, maior necessidade de estímulo constante e menor capacidade de brincar sozinhas ou de forma simbólica”, informou ao F5.
A universitária Cibelle Moura, 28, relembra com nostalgia as animações que assistiu durante sua infância.
“Eu costumava assistir, na TV Cultura e na TV Futura, vários desenhos educativos, como Sagwa, a Gatinha Siamesa; Madeline; As Trigêmeas; Corduroy; Historinhas de Dragões; Em Busca do Vale Encantado; Pinky Dinky Doo; Cyberchase; Pingu; Os Thornberrys; Os 7 Monstrinhos; Charlie e Lola; Arthur; As Aventuras de Babar; Caillou; Jakers! As Aventuras de Piggley Winks; O Pequeno Urso; Os Camundongos Aventureiros; Timothy Vai à Escola”, enumera a comunicadora.
Ao ser perguntada sobre o que a atraía nessas animações, Cibelle explicou que eram produções bem pensadas, com o propósito de entreter e, ao mesmo tempo, educar. Mostravam como lidar com os sentimentos e desafios cotidianos de forma respeitosa, ensinando valores essenciais, como caráter, respeito e educação.
“Eu e meu irmão adorávamos assistir, e até nossa mãe acompanhava com a gente. Era o nosso momento especial do dia, algo que fortalecia nosso vínculo como irmãos e também com ela. Tivemos uma infância incrível, e esses desenhos contribuíram de forma significativa para a nossa formação. Eles me ajudaram a me tornar uma adulta mais consciente, sensível e feliz”, afirmou Moura ao portal.
Em relação aos desenhos da atualidade, Cibelle os considera repetitivos e com narrativas rasas.
“As produções da minha infância apresentavam narrativas bem construídas, com músicas que realmente marcavam e ensinavam algo. Contribuíam significativamente para o aprendizado das crianças. Já os desenhos atuais são mais robotizados, com roteiros rasos e repetitivos. Essa repetição nas tramas me incomoda bastante, pois empobrece o conteúdo oferecido às crianças”, sustentou ao portal.
O que fazer?
Diante dos efeitos da hiperestimulação, a psicóloga Yasmin Ferreira elenca possíveis intervenções educativas, progressivas e afetivas, com envolvimento dos cuidadores. Confira as recomendações:
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Redução gradual do tempo de tela: a Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda nenhuma tela para menores de 2 anos; 1 hora por dia para crianças de 2 a 5 anos, com supervisão; até 2 horas por dia para maiores de 6 anos.
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Seleção qualitativa de conteúdo: optar por programas com ritmo mais lento, linguagem clara, valores sociais e educativos (ex.: Daniel Tigre, Turma da Mônica, Mundo Bita em versões mais calmas).
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Estabelecer rotina com previsibilidade e limites claros: incluir momentos sem telas, como leitura, brincadeiras livres, atividades ao ar livre, jogos simbólicos e tempo com os pais.
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Psicoeducação parental: orientar pais e responsáveis sobre os riscos do excesso de estímulo e a importância da presença afetiva e ativa, evitando o uso da tela como “babá eletrônica”.
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Intervenção terapêutica, se necessário: crianças que já apresentam quadros de agitação, desatenção e ansiedade devem ser acompanhadas por psicólogos e/ou neuropsicólogos para avaliação e possível intervenção (com TCC, ABA ou outras abordagens, a depender do caso).
A psicóloga ainda explica que é fundamental compreender que não se trata de demonizar os desenhos ou as telas, mas de olhar criticamente para a forma como elas estão sendo usadas. Além disso, a presença de pais estressados, ausentes ou sobrecarregados, que recorrem às telas como forma de “alívio”, é compreensível, mas precisa ser repensada com acolhimento e orientação.
“O cérebro infantil precisa de tempo, silêncio, vínculo e repetição positiva para se desenvolver de maneira saudável. Quando os conteúdos audiovisuais se tornam o centro da infância, substituem o brincar, imaginar e interagir, pilares do desenvolvimento neuropsicológico e emocional”, orienta Ferreira.





