O ônibus que move a Grande Aracaju e revela as histórias que atravessam a cidade
Histórias de estudantes, trabalhadores e motoristas expõem a importância do transporte público e os caminhos necessários para uma mobilidade mais humana e eficiente Cotidiano | Por Gabriel Ribeiro 24/11/2025 17h45 - Atualizado em 24/11/2025 17h45 |O transporte coletivo da Grande Aracaju é mais do que um serviço urbano, é um elemento essencial para o funcionamento da cidade e um espelho da vida cotidiana de milhares de pessoas. Todos os dias, cerca de 140 mil passageiros circulam pelos terminais, corredores e pontos de ônibus que conectam bairros, histórias e oportunidades. Em uma região onde 70% da população depende exclusivamente do ônibus para estudar, trabalhar e acessar serviços básicos, entender o papel desse sistema é compreender, também, como Aracaju se organiza, se desenvolve e se transforma.
No começo da manhã, quando a luz ainda disputa espaço com o céu, Laila Vitória, de 17 anos, já está no ponto de ônibus do bairro Santos Dumont, em Aracaju (SE). Mochila nas costas, fone de ouvido, caderno na mão, a estudante tem na linha 001 um velho conhecido. “Sem o ônibus ficaria difícil estudar. Minha família tem carro, mas minha mãe sai cedo para o trabalho e todo dia eu dependo dele pra chegar no colégio. Já decorei até (quem são) os motoristas”, brinca.
Laila faz parte desses 140 mil passageiros que utilizam diariamente o transporte público na Grande Aracaju, segundo o Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Município de Aracaju (Setransp). Em 2017, essa média era de 207 mil usuários por dia. Ainda de acordo com a entidade, a pandemia derrubou bruscamente o movimento, a redução chegou a 70% e, de lá pra cá, o sistema tenta se recuperar.
Cotidiano que se cruza dentro de um ônibus
No Terminal do Marcos Freire, em Nossa Senhora do Socorro (SE), o entra e sai de gente cria uma coreografia urbana. Ali, vidas completamente diferentes se cruzam sem sequer perceber. Entre elas está Alice Silva, 20 anos, jovem aprendiz em um posto de gasolina. Ela pega dois ônibus por dia para chegar ao trabalho que é na Zona Norte de Aracaju.
“Tem dias que eu saio cedo e ainda assim me atraso por causa do trânsito. Mas é o que tenho e valorizo. Eu dependo do transporte pra tudo na minha vida”, conta. Alice está entre os 70% da população da Grande Aracaju que tem o ônibus como principal meio de locomoção.
O motorista José Carlos, há 18 anos no sistema, diz que conhece muitos dos seus passageiros. “Tem menino que eu via indo pra escola e hoje pega o ônibus pra ir trabalhar. É bonito ver a vida acontecendo”, conta enquanto ajeita os espelhos antes de mais uma viagem pela capital.
A cidade moldada pelo transporte
De acordo com o arquiteto e urbanista Tayrone Ribeiro, ignorar a importância dos ônibus na estrutura urbana é ignorar a própria dinâmica da cidade. “O transporte coletivo não é um acessório: ele organiza a cidade. Define onde as pessoas moram, estudam, trabalham e consomem. Aracaju só se torna mais eficiente quando garante prioridade a quem move a maioria da população”, explica.
Hoje, a Grande Aracaju conta com 478 ônibus operando em 107 linhas, distribuídas entre quatro municípios. Em média, cada linha transporta milhares de passageiros todos os dias, pessoas como Laila, Alice e José Carlos, que dependem de uma rede que muitas vezes enfrenta congestionamentos, atrasos e a falta de prioridade.
“O maior entrave da mobilidade é simples: o ônibus disputa espaço com o carro, sendo que transporta muito mais gente. Sem corredores exclusivos, a cidade inteira perde”, afirma Tayrone.
Segundo o Setransp, quando há prioridade, como ocorre nos corredores Hermes Fontes, Beira Mar, Tancredo Neves, Rio de Janeiro e no Mergulhão, o tempo de viagem pode cair em mais de 20 minutos, um ganho que transforma a rotina de quem passa horas no deslocamento.
Tarifas, custos e um sistema que precisa sobreviver
Manter o transporte funcionando custa caro. O setor afirma que a operação é totalmente sustentada pela tarifa paga pelo passageiro, hoje em R$ 6, considerada defasada pelas empresas. “É como se todo o peso do sistema estivesse nas costas de quem usa o ônibus, que já é a parcela mais vulnerável da população”, explica Tayrone.
Essa equação impacta diretamente o serviço: mais custos, menos frota, mais lotação, mais atrasos, um ciclo que pressiona operadores e atinge usuários.
Estrutura que sustenta a mobilidade da Grande Aracaju
O sistema conta com terminais de integração distribuídos nas quatro cidades, pontos de parada espalhados por todos os bairros e três corredores exclusivos que ajudam a reduzir os gargalos do transporte.
Mas, para o arquiteto, ainda é pouco. “Aracaju precisa ampliar o número de faixas exclusivas, renovar a frota, adotar políticas de subsídio e integrar melhor os modais. Só assim teremos um transporte realmente acessível e eficiente”, conta.
Apesar dos desafios, há algo que o ônibus guarda que nenhuma estatística traduz completamente: humanidade. Na volta para casa, Laila encontra sempre os seus colegas. “A gente conversa, troca figurinha da escola, às vezes reclama junto quando demora. Mas é ali que a vida acontece”, diz a estudante.
Alice concorda. “Eu já chorei dentro de ônibus, já ri, já fiz amizade. A gente passa tanto tempo ali que vira parte da nossa história”, fala.
