Fogos com estampido: o barulho que pode estragar o Réveillon
O som alto dos fogos durante a festa traz males e afeta uma parcela da população Cotidiano | Por Daniel Soares 31/12/2023 09h08 |É uma tradição no mundo todo: à meia-noite do dia 31 de dezembro, luzes coloridas tomam os céus em celebração ao ano que se inicia. O espetáculo é esperado e admirado por muitos, contudo, é motivo de pavor e momentos de tensão para outros.
Isso acontece devido ao barulho alto da queima dos fogos de artifício: ele traz transtornos para uma boa parcela da população. Quem tem filhos pequenos, pets, idosos e autistas em casa são extremamente prejudicados pelo estampido que se ouve em vários lugares por um longo período de tempo. Um momento que deveria ser de festa se torna agonia.
Danos
Em primeiro lugar, é preciso entender que sons altos podem causar males para a saúde de todos. Para a Organização Mundial da Saúde (OMS) a poluição sonora de 74 decibéis já pode trazer riscos e provocar a perda de audição. Para se ter uma noção, fogos de artifício podem chegar a até 175 decibéis durante sua queima.
Felippe Felix, médico especialista em otologia e membro da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial (ABORL-CCF), destaca os danos que esse barulho excessivo pode causar. "Quanto mais próxima a pessoa estiver dos fogos, maior a chance de provocar danos à audição”, explica o especialista.
O médico lembra que os fogos sem estampido proporcionam o mesmo espetáculo de efeitos luminosos, mas com menor risco. Na visão do especialista, esse recurso é mais apropriado e poupa possíveis danos. “Isso com certeza beneficia todos que estão participando do evento e evita a lesão auditiva”, assegura.
Mais atingidos
Contudo, existe uma parcela da população que é afetada de uma maneira mais dolorosa. Um dos públicos mais prejudicados são as pessoas com o Transtorno do Espectro Autista (TEA), que tem como uma de suas características a hipersensibilidade a sons. Logo, o barulho dos fogos causa grande incômodo.
José Andrade, mais conhecido como Batatinha, tem um filho com TEA e é um militante da causa em Sergipe. Ele já passou por momentos de aflição por causa do estampido dos fogos. "O barulho causa irritação e medo. Eles possuem uma hipersensibilidade para sons normais, imagine com o barulho dos fogos", explica.
Apesar dos problemas, Batatinha diz entender que é uma luta longa e que passa pela conscientização. "Tem coisas que são difíceis de acabar, pois a gente mora em uma região onde isso é uma tradição. Precisa de esclarecimento. Tem fogos de barulho reduzido. A ideia não é acabar com os fogos, mas substituir", afirma.
Os fortes estampidos também atingem quem tem filhos pequenos. A jornalista Karllene Costa já demonstra preocupação com o som que os fogos irão causar. Com uma bebê de poucos meses em casa, ela já se prepara para momentos de aflição na hora da virada do ano.
“Essa é uma das preocupações. Tenho uma bebê de cinco meses e ela se assusta muito com os barulhos habituais. Então, já sei que ela vai sofrer por causa dos fogos de artifício. Um transtorno muito grande para mim e toda minha família”, lamentou.
Se para os humanos o barulho já causam tribulações, imagine para os bichinhos. Eles também são prejudicados pelos sons dos fogos nas festas. Nazaré Moraes, da ONG Educação e Legislação Animal (ELAN), detalha os efeitos que isso pode provocar.
"No caso das aves, rompem os tímpanos e elas perdem o senso de orientação e morrem. Cães e gatos entram em pânico e podem sair atabalhoadamente para lugares inimagináveis. Muitas vezes se enforcam em grades, se machucam e podem até causar acidentes de trânsito quando fogem, expõe.
Como defensora dos animais, Nazaré tem um cuidado especial com os bichinhos. Porém, ela destaca um importante ponto de vista pessoal neste debate: o forte som das explosões atinge e prejudica toda forma de vida.
"Eu tive um problema grave, pois infartei. Imaginem uma festa próxima de onde eu estava internada ou hospedada, o que significaria para a minha saúde? Por isso, é preciso entender que esse é um problema para vidas - tanto para humanos como para animais", defende Nazaré.
Mais caros
Os fogos com ruído reduzido, aqueles onde só há estampido na subida, estão à venda nos estabelecimentos comerciais que trabalham com artefatos pirotécnicos. A empresária Virgínia Cristina, proprietária da barraca São Carlos, explica que eles possuem os mesmos efeitos que os fogos comuns, contudo, o preço acaba sendo um pouco mais caro.
"Os tradicionais têm um preço um pouco inferior devido a serem produzidos há mais tempo e em um volume maior. Os que têm ruído reduzido ainda são feitos em uma quantidade menor em comparação e é uma novidade mais recente", esclarece.
Virgínia diz que alguns clientes já procuram por esse tipo de artefato, porém, a maioria acaba optando pelos fogos comuns. "Pela questão do preço, os fogos com ruído reduzido ainda são muito pouco vendidos", assegura a empresária.
Proibição
Atualmente, dois projetos de lei estão tramitando nas casas legislativas visando a extinção dos fogos com estampido. Na Câmara Municipal de Aracaju, o vereador Breno Garibalde (União Brasil) apresentou matéria para proibir o manuseio, a utilização, a queima e a soltura de fogos de estampidos e de artifícios em Aracaju.
O vereador destacou os transtornos que esses artefatos trazem. "Eles são responsáveis pelos mais diversos tipos de acidentes e as explosões, além de resultarem em lesões, mutilações e muitas vezes a morte, são responsáveis também pela excessiva perturbação de idosos, crianças, animais e tantos outros", explica.
Na Assembleia Legislativa, o deputado estadual Georgeo Passos (Cidadania) protocolou um PL semelhante, contudo, proibindo esse tipo de fogos em todo o estado de Sergipe. A propositura ainda aguarda tramitação na Alese.
A proposta determina multa de R$ 5 mil se for descumprida por pessoa física e de R$ 20 mil se for cometida por pessoa jurídica. O recurso será revertido para o Fundo em Defesa do Meio Ambiente de Sergipe (Fundema/SE).
Segundo Georgeo, apesar da cultura dos fogos ser uma tradição, há uma necessidade maior de não prejudicar as pessoas. "Nossa intenção é mudar a mentalidade e acabar com o sofrimento que os estampidos causam. Existem fogos sem barulho que certamente vão abrilhantar as festas e eventos normalmente", garante.
Independente de legislação, é essencial compreender que a festa não pode prejudicar o outro. A beleza do espetáculo nos céus deve marcar momentos de alegria e comemoração. Afinal, uma festa como o réveillon merece ser de felicidade para todos os públicos - de preferência, sem estampidos.





