Luthier sergipano transforma paixão pela arte em meio de vida e valorização de sua comunidade | F5 News - Sergipe Atualizado

Arte e música
Luthier sergipano transforma paixão pela arte em meio de vida e valorização de sua comunidade
Lucas, do Bairro Dom Luciano em Aracaju, trilhou um caminho improvável da soldagem à construção de instrumentos musicais. Conheça essa história
Cotidiano | Por Daniel Soares 07/06/2025 20h29 |


No coração do Bairro Dom Luciano, em Aracaju, Lucas Emanuel Santos Nascimento, 42 anos, mantém viva a arte de, utilizando as próprias mãos, transformar madeira em música. Com 18 anos no ramo da luthieria (o ofício de construir instrumentos em cordas), ele trilhou um curioso caminho que hoje lhe traz mais do que uma renda – uma verdadeira missão de vida.

Seus instrumentos encantam o público além-fronteiras de Sergipe. Já foram expostos em diversos países. Mas, Lucas Emanuel, com seu trabalho busca mais do que um ganha-pão ao fim do mês. Ele busca a manutenção de uma técnica que sobreviveu aos séculos e, também, a valorização de uma comunidade que luta contra estigmas. 

Dos metais à madeira
Aracajuano, mestre Lucas conta que sua primeira lembrança com a arte de manuseio madeira veio dentro de casa. "Meu pai era restaurador de móveis. Por isso, eu tinha contato com trabalhos manuais. Era muito novo na época, não fazia muita coisa. Mas isso já vem no sangue", explica. Os anos se passaram e, com a chegada da fase adulta, ele buscou caminhos diferentes.

E se “em casa de ferreiro o espeto é de pau” - como diz o adágio popular – é crível que em lar de restaurador de móveis o filho decida trabalhar com outros materiais. Lucas, então, foi ganhar a vida sendo soldador e caldeireiro, tendo os metais como suas matérias-primas. Contudo, até essa experiência se mostraria útil em sua futura carreira. “Aprendi muita técnica de precisão neste período”, assegura.

“Meu olhar é voltado sempre para a arte. E a arte nada mais é do que uma sensibilidade de perceber e transmitir emoções e aquilo que você acredita. Sempre gostei dessa coisa que requer um pouco mais de refino. Como venho da indústria, aprendi técnicas de precisão. Então, somou esse olhar artístico com a precisão de medidas de desenhos geométricos, trabalhar muito simetria”, afirma Lucas.

Após anos na metalurgia, resolveu mudar de área e voltar-se para às suas origens, mas de uma forma diferente: não como restaurador de móveis, e sim com a luthieria, profissão que conheceu através de um amigo. Autodidata, pesquisou sobre as técnicas e resolveu testar o que prendeu. No entanto, o primeiro trabalho de restauração de instrumento não lhe agradou. 

Neste momento, ocorreu aquilo que fez com que a luthieria persistisse até os dias atuais. A arte de construir instrumentos de forma manual surgiu há séculos e precisou ser repassada de geração a geração através do ensinamento dos mestres. E Lucas conseguiu encontrar o seu em uma reportagem que assistiu na televisão. Mestre Passos, são-cristovense e referência neste ofício no estado de Sergipe.

“Na matéria mencionava que já tinha ensinado para muita gente e que nunca tinha cobrado nada. E eu, que não tinha condições de pagar, estudava tudo por conta própria. No dia seguinte, fui lá em São Cristóvão para ver se ele ‘me adotava’. O primeiro contato foi meio que uma frustração, porque ele sempre é muito cheio de trabalho. Naquele momento ele não podia receber um aluno”, relembra. 

“Mas, ele me deu a liberdade de executar um serviço. Eu estava com um instrumento meu, que já vinha ‘futucando’. Mestre Passos me passou as orientações e comecei a seguir. Qualquer dúvida que tivesse, poderia perguntar a ele”, conta Lucas. De sua dedicação, surgiu uma grande relação entre mestre e aprendiz. 
“Ele realmente me adotou na luthieria. Hoje, é igual a um pai para mim. Com ele, aprendi o meu primeiro violão, o primeiro cavaquinho, os primeiros violões vazados... Até hoje, sempre que posso, vou lá, em seu ateliê. Vou beber da fonte e mantenho o respeito que tem que haver entre aluno e um mestre”, conta Lucas.

 Ofício e arte
Lucas diz que, na luthieria, boa parte da demanda é por serviços de reparos. Mas, sua paixão é por construir. Ele chegou a desenvolver uma marca própria, produzindo instrumentos como cavaquinhos, guitarras, contrabaixos, além de violões de diversos modelos – da viola caipira ao violão erudito. Seu trabalho é um resgate cultural, unindo técnicas tradicionais e inovação.

“Lancei um modelo de cavaquinho, que é o modelo imperial, que remete às técnicas utilizadas na luthieria do século XVI, século XVII. Faço a arte do embutimento com madrepérolas, que é um material natural, abandonado pela maioria dos artistas devido à complexidade da manipulação. O abalone, a marchetaria, que é um serviço que requer muita precisão”, destaca.

Legado
Pelo fato da luthieria ser um ofício desenvolvido por poucos e com escassa possibilidade de formação – um curso superior chegou a ser lançado no Paraná recentemente, além de algumas opções online – Lucas pensa em algum momento lançar cursos para educar novos profissionais. “Para deixar um legado, transmitir conhecimento”, revela.

Contudo, o maior espólio da sua arte deve ser outro. Situado no Bairro Dom Luciano, na zona norte de Aracaju, o mestre diz que tem no seu ofício a missão de afastar um estigma da região em que está. “Não saí daqui ainda para botar um ponto em outro lugar, onde teria mais público, por que não faria sentido. Costumo dizer que quero ser o exemplo do bairro. Quero que as pessoas, através do meu trabalho, reconheçam esse lugar”, conta.

“Aqui, a droga e o crime já levaram muitos. Então, se eu estivesse em um lugar, tipo zona sul, comercialmente mais favorável para mim, seria bom. Mas o meio aqui continuaria o mesmo. Uma vez, um rapaz daqui da comunidade, envolvido com o crime, chegou para mim e disse ‘Lucas, aqui no bairro, o mais importante que tem é você com esse seu trabalho. Porque se não tivesse você, como seria isso aqui?’. Na visão dele, é como se não tivesse nada de importante”, explica.

“Sendo que tem muita gente importante aqui, cada um com sua história, cada um com o seu jeito de viver. As questões negativas não envolvem a todos. Mas ouvir de alguém com uma vida muito difícil e problemática, essa percepção do valor que a minha arte pode estar transformando aqui nesse lugar, isso me dá força para me manter aqui”, completa.

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