Henri Clay: falamos de democracia,mas não aceitamos opiniões contrárias
Presidente da OAB/SE fala de corrupção e respeito à Constituição Política 02/04/2016 07h00 |Por Fernanda Araujo
Esta semana, o país foi marcado por fatos que movimentaram ainda mais o já conturbado cenário político nacional: a decisão do Diretório Nacional do PMDB em quebrar a aliança com o governo Dilma; a nova fase da Operação Lava Jato; a continuação da investigação e o impasse sobre o ex-presidente Lula; as investigações sobre o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, são alguns dos assuntos que esquentaram a agenda na capital federal. As discussões continuam acaloradas, principalmente, em torno do processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT).
O tema é polêmico e, rotineiramente, radicalizado por ambas as partes - os favoráveis ao impedimento e os contrários. Segundo o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Seccional Sergipe, Henri Clay, não é diferente na advocacia brasileira, incluindo a esfera sergipana, que agora se vê dividida sobre a decisão do Conselho Federal da OAB em apoiar a saída da presidente. A OAB de Sergipe acompanha o encaminhamento do Conselho Federal.
F5 News entrevistou Henri Clay, que falou abertamente sobre suas considerações a respeito da crise política instalada no país e fez ressalvas sobre as ações adotadas pelas partes envolvidas. O advogado defende o combate à corrupção, mas também a preservação da Constituição. Para ele, falta no país o Recall, um recurso diferente do impeachment, quando o povo é consultado se quer que o presidente permaneça ou não, através do voto direto. Confira a entrevista.
F5 News – O Conselho Federal da OAB protocolou pedido de impeachment na Câmara, que por lei é entregue ao presidente da Câmara. Qual o encaminhamento da seccional sergipana?
Henri Clay – Pedido de impeachment nas mãos de Eduardo Cunha, eu não entrego. Não entrego porque a própria OAB federal pediu o afastamento de Cunha por entender, e está correta, que todas as denúncias que sofre, em relação a muitos atos em que ele está sendo acusado de corrupção, inclusive, desvio de dinheiro no exterior, não tem mais condições, legitimidade, nem morais para presidir a Câmara dos Deputados. Me recuso a entregar, isso seria incoerente. Não quero entrar no mérito da decisão do conselho porque sequer participei dos debates porque ainda estava no exterior em viagem.
F5 News – Como avalia a delação premiada concedida ao senador Delcídio do Amaral?
HC – A delação premiada é um instituto jurídico novo no Brasil, ele fez esse acordo com a Justiça e MP. O acordo é que ele terá condenação máxima de 15 anos, cuja pena seja em regime semiaberto domiciliar e ainda continua exercendo mandato de senador. Um homem que não está nesse esquema só no período do PT, mas desde o PSDB no poder. Por conta da delação, vai trabalhar no dia e volta para dormir em casa, portanto, não será preso. São coisas como essas, incoerentes, que revoltam também a sociedade.
F5 News – Após as interceptações telefônicas para investigar o ex-presidente Lula, a OAB mapeará as interceptações de advogados em todo o Brasil. Quais suas considerações?
HC – Nós temos uma posição muito clara como advogados e como dirigentes, precisamos deflagrar dois movimentos muito fortes: o combate à corrupção dentro do ornamento jurídico brasileiro - investigar e punir os culpados, colocar na cadeia; e paralelo a isso, fazer campanha de garantias das conquistas democráticas, constitucionais, do cidadão brasileiro, como o direito ao devido processo legal. Temos a obrigação de defender as prerrogativas da democracia, não podemos assistir calados que um escritório de advocacia seja grampeado sem que os advogados sejam investigados (como aconteceu ao PABX do escritório com 25 advogados que acompanham o caso de Lula). Só quem pode ter interceptação telefônica por decisão judicial é aquele que está sendo investigado ou acusado de um crime e não o advogado que está defendendo uma pessoa. É um precedente gravíssimo.
F5 News – É contra também as divulgações das interceptações telefônicas, como foram liberadas pelo juiz Sérgio Moro? Foi um erro?
HC – Somos contra que interceptações telefônicas de caráter eminentemente privado, que nada têm a ver com o processo de investigação, sejam divulgadas. É a garantia do cidadão a sua intimidade. O juiz Sérgio Moro é um juiz que tem tido muitos acertos, corajoso, mas que também comete erros. Parte da mídia está tentando transformá-lo em um mito, na verdade, ele é um ser humano. Temos que aplaudir os acertos, aliás, é obrigação da sua função, e os erros precisam ser corrigidos e denunciados, inclusive erros graves de invadir a privacidade das pessoas e divulgá-las.
F5 News– Os processos de investigação têm tido avanços ao longo dos anos, mas acha que há exageros?
HC – A indignação é nossa em relação à corrupção que estamos presenciando, sabemos que a corrupção não é nova, sempre existiu. Onde há poder há possibilidade de corrupção. O que é efetivamente novo hoje, e isso decorre da Constituição Federal, da efetivação das normas constitucionais, é que a Polícia Federal, o Ministério Público Federal, o próprio Judiciário, têm prerrogativas, poderes de dar condições para esse desempenho. Embora, na década de 90, o MPF e a própria PF já tinham essas condições constitucionais e não agiam. Na década de 90 tínhamos um procurador geral da República, que era apelidado de ‘engavetador geral da nação’, as corrupções eram denunciadas e eram arquivadas. Hoje não acontece mais isso, você vê uma PF agindo, um MP, um procurador geral mesmo nomeado pela presidente, denunciando. Os ministros nomeados pela presidente do STF também, não podemos ter memória seletiva, esse mesmo Supremo que investigou, processou e puniu todos aqueles que participaram do Mensalão, inclusive, até hoje tem gente presa. As instituições democráticas funcionam e não precisa, portanto, de exageros, exacerbo, para chegar à punição dos culpados. O ordenamento jurídico brasileiro e a Constituição têm instrumentos eficazes, capazes de se chegar aos culpados. Não precisa violar as prerrogativas da advocacia, não precisa afrontar os direitos fundamentais do cidadão, nem pirotecnia para se chegar aos culpados.
F5 News– Qual a sua análise da crise política instalada no país?
HC – A crise política é muito grave, o país está muito dividido. Isso tem gerado um debate muitas vezes despolitizado, infantilizado, até se levando a questões pessoais. O Brasil, nos seus 500 e poucos anos de história, pela primeira vez vive num regime democrático mais longo, pouco mais de 30 anos (o país sempre foi interrompido pelo autoritarismo). A nossa cultura brasileira é autoritária, nós falamos muito de democracia, mas não sabemos conviver com opiniões contrárias. Na divergência o que tem prevalecido é a intolerância. Nossa democracia ainda é muito formal e menos praticada. É um processo de aculturação. É isso o que estamos vendo. Uma democracia muito nova e nós não conseguimos ainda fazer um debate maduro.
F5 News – Qual o caminho para a ordem política e recuperação da economia?
HC – Nós não podemos ficar arrastando essa situação, o Congresso precisa votar logo o processo de impeachment. A Câmara pode conhecer o processo ou não. Quanto mais demorar essa situação, mais prejudicará o país. O que o Brasil quer é que essa situação de insegurança jurídica, essa crise política, esteja sanada. Seria sanada com a saída da presidente? Não sei, tenho dúvidas. Seria o motivo justo tirar uma presidente eleita, simplesmente, para sanar um problema político? Estamos sentindo falta hoje é de um instituto que a OAB sempre pleiteou no Congresso Nacional: o Recall, que acontece no primeiro mundo como na Europa.
Diferente do impeachment, no Recall quando o presidente perde a legitimidade das urnas, é consultado ao povo se quer que ele continue ou não, através do voto direto. O impeachment significa impedimento do presidente em decorrência de uma prova cabal de crime de responsabilidade, é uma questão muito restrita e que passa por um processo tormentoso porque é presidencialista. Se houvesse Recall no Brasil seria um processo mais rápido e, necessariamente, o presidente não teria que sair por conta de crime de responsabilidade, mas porque perdeu a legitimidade. Se o regime fosse parlamentarista, nessa situação de crise, fatalmente o gabinete teria caído. Mas vivemos num regime presidencialista em que a voz das urnas fala muito alto, é preciso pesar esses valores e questões.


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