Economista explica potenciais efeitos da "Lei do Gás" para Sergipe
Estudo da FIES apresenta aspectos da nova legislação benéficos ao estado Economia | Por Monica Pinto 27/10/2020 12h00 |A abertura de mercado promovida pela chamada “Lei do Gás” ganhou a mídia sobretudo no decorrer dos debates que culminaram em sua aprovação pela Câmara Federal, no mês de setembro passado. O assunto tende a voltar à pauta fortemente em novembro, já que existe a possibilidade de que o marco legal submetido à votação do Senado no próximo dia 3.
Na perspectiva de conectar os potenciais impactos desse arcabouço legal à realidade específica de Sergipe, F5News conversou com Rodrigo Rocha, economista-chefe da Federação das Indústrias do estado (Fies). Assim, o portal antecipa, com exclusividade, dados de um estudo inédito, de autoria da instituição - “O novo gás de Sergipe: retrospectiva e oportunidades para Sergipe a partir do programa federal ‘Novo Mercado de Gás’”. O trabalho vai ser lançado na próxima quinta-feira (29), das 9h às 10h30, num webinário transmitido pelo canal SistemaFIES no Youtube.
O evento online contará com a participação do deputado federal Laércio Oliveira, relator da Lei do Gás, e de Fernando Borges, gerente-executivo de Relacionamento Externo da Petrobras, que fará uma explanação sobre “As perspectivas de atuação da Petrobras em Sergipe, com a exploração de óleo e gás em águas ultraprofundas”. Também haverá exposições de Aldo Barroso, diretor substituto de Gás Natural do Ministério de Minas e Energia; do superintendente-executivo da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, da Ciência e Tecnologia (Sedetec/SE), Marcelo Menezes, e do economista Rodrigo Rocha, cuja entrevista exclusiva ao F5News o leitor confere a seguir:
F5News - Qual a oferta de gás hoje para a indústria e qual a previsão após início da exploração dos novos campos, pelo estudo da Fies?
Rodrigo Rocha - Em 2019, a produção bruta de gás natural em Sergipe chegou a aproximadamente 1,8 MMm³/dia, dos quais apenas 0,2 MMm³/dia ficou disponível para o mercado, de modo geral. No setor industrial, especificamente, o consumo médio de gás alcançou 153,4 mil (m³/dia), sendo o segmento de maior consumo de gás natural no estado.
Após o início da exploração das reservas descobertas de gás natural, estima-se que a produção seja de 20 MMm³/dia somente nos campos da Petrobrás. Esse volume corresponde a mais de 11 vezes do que produzimos em 2019, sendo equivalente à produção de toda região Nordeste no ano de 2014, quando registrou sua maior produção (19,7 MMm³/dia), na série iniciada em 2000. Ainda não se tem estimativas da produção proveniente dos blocos do consórcio da ExxonMobil.
Inicialmente a previsão da Petrobrás, de acordo com reportagem da Folha de São Paulo (25/09/2020) era de que a exploração ocorresse até 2023, mas tiveram mudanças nos planos de investimentos que têm gerado incerteza sobre esse prazo.
F5News - De que maneira a indústria sergipana vai ser impulsionada pela aprovação da nova Lei do Gás, num futuro breve? Qual a estimativa de tempo para esse avanço começar de fato a ser concretizado?
Rodrigo - Com a aprovação da nova Lei do Gás, há a expectativa de que indústrias que deixaram de utilizar o gás natural como combustível para utilizar biomassa (lenha) – devido ao preço pouco competitivo do gás – voltem a utilizá-lo. Nesse caso, o impacto deverá ocorrer em curto prazo, aumentando a competitividade das indústrias locais, possibilitando aumento de produção, gerando crescimento do PIB e podendo gerar mais contratações de mão de obra.
Podemos ter muitos outros benefícios, como a atração de indústrias intensivas nesse energético – por exemplo, indústrias de cerâmica e vidro –, mas esse tipo de investimento exige um prazo maior para os estudos de viabilidade, a instalação das plantas industriais, negociação com fornecedores e contratação de mão de obra.
É importante ressaltar que é difícil fazer uma previsão mais concreta, tendo em vista a grande quantidade de fatores que pode influenciar. Apesar disto, é importante destacar também que, quando as expectativas são boas, os investimentos conexos começam a ocorrer com grande antecedência.
F5News - Há alguma previsão do impulso em geração de empregos a partir desse novo arcabouço legal? Toda a rede de logística a ser criada, em processamento e distribuição, por exemplo, deve abrir quantos postos de trabalho em Sergipe?
Rodrigo - Não existe uma estimativa mais precisa de quantos empregos serão gerados, pois é algo bastante imprevisível. Vai depender de quantas indústrias serão atraídas para o estado, do quanto as indústrias já existentes irão aumentar sua produção, bem como diversos outros fatores, o que torna muito difícil essa mensuração.
F5News - Quais as perspectivas para Sergipe em termos de inserção no mercado nacional e internacional de fertilizantes nitrogenados?
Rodrigo - No caso dos fertilizantes nitrogenados, especificamente, o gás natural é a matéria-prima básica para a produção de amônia, da qual os fertilizantes nitrogenados são derivados. Ocorreu recentemente o arrendamento da FAFEN-SE, que possui capacidade instalada de produção de: 1.800 t/dia de ureia, 600 t/dia de granulação de ureia, 875 t/dia de sulfato de amônio, 1.250 t/dia de amônia. A expectativa é de que, junto com a fábrica baiana, chegue a produzir mais de um milhão de toneladas de ureia por ano.
Com o gás natural disponível a preços mais baixos e em grande quantidade, ampliará a competitividade da produção local de fertilizantes, de modo a exercer papel fundamental no suprimento de parte importante da demanda nacional, reduzindo a dependência da importação de outros países. Afinal, o Brasil é o quarto maior consumidor de nutrientes minerais para fertilizantes no mundo, importando cerca de 80% dos fertilizantes aqui consumidos.
Foram quase 9 milhões de toneladas de fertilizantes importados em 2018. Estima-se ainda que a demanda nacional por fertilizantes deverá crescer duas vezes mais que a média mundial até 2025. É, portanto, uma grande oportunidade para Sergipe crescer nesse setor.
F5News - Quando se pode esperar a redução de preço no gás natural veicular em Sergipe?
Rodrigo - O primeiro passo para a redução no preço do GNV já foi dado pelo Governo de Sergipe, ao reduzir a alíquota do ICMS do GNV de 18% para 12%, a partir de março de 2020, como meio de reduzir o preço desse combustível para o consumidor final. Outro passo na direção do barateamento do GNV pode ser dado com a nova Lei a partir da abertura do mercado, possibilitando que tenhamos mais ofertantes do produto. O aumento da produção de gás natural também deve contribuir para seu barateamento.
Considerando as dimensões continentais de nosso país, e a predominância do modo rodoviário nos transportes de passageiros e de cargas, as vantagens do gás natural no setor de transportes apresentam grande potencial de crescimento, principalmente diante do esperado aumento de produção de gás e de seu barateamento. Assim, o gás natural poderá ser capaz de reduzir os custos para uma ampla gama de consumidores, seja para os carros de passeio, seja para os veículos pesados, encadeando esses efeitos inclusive no barateamento de fretes, podendo ser refletido no preço final dos bens. Espera-se que a redução no gasto com combustível para o setor de fretes alcance até 35%, com a aprovação da Nova Lei do Gás.
É bom lembrar que o GLP também merece destaque no contexto dos combustíveis para veículos. Uma parceria entre a Alliance GNLog (representante da fabricante de caminhões Shacman) e a Golar Power prevê a importação de caminhões a GNL da China, nos dois primeiros anos. Em seguida, deverá ser iniciada a montagem no país, e posteriormente, será possível que algumas partes dos veículos passem a ser produzidas no Brasil. Há uma grande possibilidade de a montadora desses caminhões escolher o estado de Sergipe para receber suas instalações por todo o contexto favorável aqui existente, conforme protocolo de intenções firmado entre a empresa e o Estado. Em outro acordo firmado entre a Alliance GNLog, a Golar Power e o grupo industrial Maratá, uma vez comprovada a viabilidade do projeto, este último compromete-se a substituir 25% da sua frota por caminhões a GNL.
F5News - Muito já se falou sobre a potencial atração de indústrias ceramistas e vidreiras para Sergipe a partir do novo marco legal do gás. Existem dados concretos a esse respeito?
Rodrigo - As indústrias fazem estudos de viabilidade antes de escolher onde se instalar, qual o tamanho da planta e quantidade de insumos e mão de obra necessários. Isso leva tempo e as indústrias guardam sigilo dessas informações até o momento próximo de iniciar o investimento. Portanto, não temos números nesse sentido. Mas algumas indústrias, com a expectativa de aprovação da Lei e da oferta de gás mais barato, e dos incentivos que o Estado oferece, começam a ver Sergipe como um potencial local de instalação. Há indústrias de outros estados, inclusive, que nos ligam para se informar a respeito de cada setor, já demonstrando o interesse pela economia sergipana. Para as indústrias locais também há uma forte expectativa de crescimento do setor de cerâmica e vidro, mas sem muitas definições divulgadas até o momento.
F5News - O estudo da Fies se deteve sobre as perspectivas de interiorização de oferta do gás natural para indústrias? O que tal medida pode alterar no mapa da industrialização no estado?
Rodrigo - A proposta de interiorização é mencionada no estudo como oportunidade para aproveitar o excedente e a estrutura de armazenamento do GNL da Celse e desenvolver o mercado de GNL a partir de operações de transporte em pequena escala, por meio de caminhões, criando rotas de sua movimentação em locais onde existem demandas e não existe gás canalizado no interior do Nordeste, a partir de Sergipe e do terminal da Golar em Suape, Pernambuco.
Em nível nacional, os planos são de instalar até 35 postos de abastecimento de veículos pesados, movidos a gás natural liquefeito (GNL), em dez estados brasileiros. Serão formados os chamados “corredores azuis” em eixos com intenso tráfego de cargas e movimentação da produção agrícola, tendo como inspiração um modelo europeu.
Assim, com os caminhões movidos a gás, pretende-se formar uma cadeia de alimentação, desenvolvendo uma malha de abastecimento desses veículos e interiorizar o GNL, pois a movimentação do gás natural está atualmente restrita à infraestrutura de gasodutos de transporte, localizados majoritariamente ao longo da costa nacional.
A industrialização em Sergipe deverá ser beneficiada de modo que a localização das plantas industriais não mais dependerá da presença de gasodutos para se instalarem em determinado local. Além disso, poderá gerar desenvolvimento econômico em outros municípios do interior que não conseguem ter acesso a fontes energéticas tão baratas, sem o recurso dos chamados “corredores azuis”. É possível pensar, então, em uma industrialização um pouco mais distribuída e competitiva no estado como um todo.





