Liberdade é lembrar de si | Amanda Neuman | F5 News - Sergipe Atualizado

Liberdade é lembrar de si
Blogs e Colunas | Amanda Neuman 06/07/2025  19h36 - Atualizado em 06/07/2025  19h45

Dizem que a liberdade é fruto de eterna vigilância. Nunca entendi se isso era conselho ou ameaça. Hoje, acho que é só uma constatação: liberdade dá trabalho. E exige memória.

Lá em casa, quem cuida das plantas da varanda é o meu marido. Ele é arquiteto e tem uma paciência quase botânica com essas coisas. Escolheu cada vaso, pesquisou no YouTube como cuidar de cada tipo de planta, sabe as que precisam de sombra e as que precisam de pouca água. Eu acho bonito de ver. Eu acho mesmo, mas não lembro nunca de regar.

Quando ele viaja, deixa tudo explicado. Me diz até o melhor horário de molhar as plantas. E eu até começo bem, acredita? No primeiro dia, rego tão certinho que me sinto meio jardineira. No segundo, penso “amanhã faço com mais calma”. No terceiro, esqueço. Quando ele volta, uma semana depois, as folhas já estão murchas, algumas queimadas de sede. E eu prometo melhorar. De verdade. E prometo mesmo, com intenção sincera.

Só que não é fácil lembrar. No meio de tudo o que preciso fazer, as plantas viram um detalhe. E, por mais que eu queira ser alguém que cuida, que rega, que presta atenção, tem horas que eu simplesmente não consigo.

Liberdade, percebi, é meio assim também.

Tem dias em que ela está ali, verde, viva, respirando comigo. Eu me ouço, me respeito, digo “não” sem culpa, me sinto inteira. Parece fácil, quase natural. Porém, em outros dias, a vida engole tudo. E quando vejo, fiz escolhas que me deixaram seca por dentro. Me deixei de lado. Me esqueci.

A gente acha que a liberdade é um direito garantido, mas na prática ela precisa ser cuidada como planta de varanda. Com atenção, presença e uma dose de delicadeza. E, claro, com memória, porque se a gente não lembra da própria sede, a liberdade seca. Silenciosamente.

Eu não vigio a liberdade como quem monta guarda. Não tenho disposição pra ser sentinela de mim mesma o tempo todo. Mas tenho tentado, aos poucos, ser aquela pessoa que volta e se percebe. A pessoa que rega o que ficou esquecido, que tenta de novo, mesmo depois de deixar morrer.

Acredito, até, que isso já seja amor. Não o romântico, não o perfeito. Mas o amor por mim mesma - um amor que às vezes falha, se atrasa, esquece, mas que insiste.

E talvez isso seja o que mais se aproxima da verdadeira autonomia que conquistei: não a de quem nunca falha, mas a de quem tem coragem de se olhar de perto e decidir, mais uma vez, ser fiel a si. A liberdade de ser quem se é não se impõe, é uma liberdade construída no intervalo entre o que o mundo espera da gente e aquilo que, no fundo, a gente sabe que é.

E se liberdade é fruto de eterna vigilância… que seja, então, a vigília de quem aprendeu a não se abandonar.

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Amanda Neuman

Jornalista (UNIT) há 10 anos, mestra em Comunicação (UFS), doutoranda em Sociologia (UFS), pesquisadora na área de redes sociais e influenciadores digitais, e mentora de marketing para empreendedores e Influenciadores. Na internet, como mulher plus size que descobriu o amor próprio e auto estima além dos padrões, compartilha sua vida e vivências com outras mulheres e as encoraja a se amarem como são.

E-mail: amandaneuman.an@gmail.com

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