Doutor Francisco Sabino: um baiano incansável a serviço de Sergipe.
Historiador Amâncio Cardoso comenta as contribuições do médico humanista Cotidiano 16/12/2023 19h12 |Por Amâncio Cardoso (*)
Um dos homens mais dedicados à província de Sergipe foi Francisco Sabino Coelho de Sampaio. Ele exerceu diversos cargos e funções, sempre com probidade e competência.
Nascido em Salvador, no dia 30 de dezembro de 1811, Francisco Sabino foi cirurgião aprovado pelo antigo Colégio Médico-Cirúrgico da Bahia, e doutor em medicina, também pela Faculdade baiana, em 1841.(1) No ano seguinte, 1842, dr. Sabino veio clinicar em São Cristóvão-SE, trazendo esposa e filho, e diminuindo a carência de profissional de saúde na velha capital.(2)

Além de aplicar e distribuir as lâminas de vacina à população, dr. Sabino tratou gratuitamente dos presos com varíola na cadeia de São Cristóvão.(5) Ele não só tratou de civis, mas também de militares. Em 1850, foi “encarregado do curativo das praças enfermas” da Companhia Fixa de Caçadores na Província.(6) E em 1854, foi nomeado cirurgião do Corpo de Polícia.(7)
Expandindo seu raio de ação, Francisco Sabino tornou-se membro da Santa Casa da Misericórdia na velha capital. Em 1851, o facultativo convidou, enquanto Escrivão da Mesa, todos os irmãos da Santa Casa para comparecerem à respectiva capela e acompanharem a Procissão da Paixão que a entidade costumava “solenizar”.(8) Ele também foi médico da Irmandade fazendo “curativos nos presos pobres recolhidos ao Hospital”.(9)
Outra área em que Sabino atuou foi no âmbito político. Ele foi eleito deputado provincial para o biênio 1852-1853.(10) O deputado Sabino era respeitado na Assembleia, pois em sua vida profissional e civil ninguém seria capaz de apontar, em qualquer sentido, “o menor defeito”, assegurou o editor de um jornal político.(11) Dez anos depois, o médico foi eleito vereador de Aracaju, sendo o mais votado da lista (382 votos), tornando-se presidente da Câmara no biênio 1865-1866.(12)Um dos períodos mais turbulentos para o médico baiano foi durante a grande epidemia de cólera, entre agosto de 1855 e fevereiro de 1856. Nessa época, dr. Sabino ficou responsável pela quarentena dos navios na barra do Vaza-Barris e pelo curativo dos doentes em São Cristóvão.(13) Sua atuação contra a epidemia foi dedicada e persistente, conforme testemunhos.(14) O médico baiano chegou a adoecer durante a quadra epidêmica, mas se restabeleceu e continuou “seus incansáveis esforços”.(15)
Passado um mês do flagelo colérico, março de 1856, Francisco Sabino veio residir em Aracaju, recém fundada capital.(16) No entanto, ele explicitou num relatório sua preferência por São Cristóvão como lugar com melhores condições de moradia, em relação a nova capital. Para o médico, Aracaju continha vários “elementos de insalubridade” porque estava assentada em solo baixo, arenoso e alagadiço; além de não possuir fontes de água potável e de ser cercada por elevações, cujos ventos lhes sopravam do leste. A visão de dr. Sabino se coadunava com a teoria médica dos miasmas em voga. Portanto, para ele, Aracaju seria um sítio mais “miasmático”, ou insalubre, do que São Cristóvão.(17)
A nova capital era insalubre e possuía uma significativa população adventícia desvalida, habitando em moradias de palha, sem assistência de saúde pública. Neste contexto, dr. Sabino idealizou, em 1858, o Hospital de Caridade Nossa Senhora da Conceição. Ele assumiu o cargo de médico assim que o estabelecimento abriu suas portas em 16 de fevereiro de 1862.(18)
Entre 1858 e 1862, Francisco Sabino foi muito requisitado. O facultativo assumiu os cargos, por vários anos, de inspetor de saúde da província e do porto de Aracaju; de comissário vacinador; de médico do hospital de caridade e de oficial-maior da Secretaria de Governo.(19) Ele foi o inspetor de saúde pública mais longevo de Sergipe, aposentando-se em 1890, na aurora da República.(20)
O médico baiano, quase duas décadas depois de sua chegada, ganhou respeito profissional e ascensão social na província sergipense. Com isso, ele foi escolhido para a comissão de recepção de Suas Majestades Imperiais na visita de janeiro de 1860. À época, dr Sabino também era delegado da repartição das Terras Públicas, e respondeu “com clareza e precisão” às perguntas de Pedro II (1825-1890). O exigente Imperador mostrou-se “satisfeito” com a organização dos livros daquele órgão.(21)
Com os vencimentos dos diversos cargos, foi possível a dr. Sabino adquirir escravizados para os serviços de sua família. Identificamos ao menos três: o angolano Tito, que fugiu no dia 21 de abril de 1851, quando o médico ainda morava em São Cristóvão; Dionísio, que fazia “ganho” nas ruas de Aracaju na década de 1870; e Getrudes [sic], que alugava uma casa na rua de Itaporanga, em Aracaju, também nos anos 1870.(22) Parece que seus escravizados possuíam relativa liberdade para cada um buscar sua própria manutenção, a ponto de um deles optar pela fuga à escravidão.
Mas a perda mais dolorosa do velho médico ocorreu em 20 de fevereiro de 1875. Quando faleceu a esposa, dona Jesuína Carolina de Sampaio (1819-1875). Ela era baiana e veio a óbito aos 56 anos; foi sepultada no cemitério Nossa Senhora da Conceição do Aracaju (atual Santa Isabel).(23) O viúvo Francisco Sabino continuaria seus dias ainda mais dedicado aos serviços que lhe foram confiados. Exemplo disso ocorreu após a inauguração da Casa de Prisão de Aracaju. Dr. Sabino passou a trabalhar também como médico da enfermaria nesse presídio.(24)
Francisco Sabino foi uma testemunha ativa que vivenciou a luta de Aracaju para se tornar uma capital salubre e habitável nas suas primeiras décadas. Embora o médico baiano preferisse São Cristóvão a Aracaju para morar, ele viveu até seus últimos dias na cidade de Inácio Barbosa.
Assim, em 03 de julho de 1893, Francisco Sabino Coelho de Sampaio faleceu em Aracaju, com quase 82 anos. O médico baiano viveu e trabalhou em Sergipe durante 51 anos. Neste sentido, a província perdera um dos homens mais assíduos e dedicados ao progresso moral e material dos sergipenses.(25).
Amâncio Cardoso é historiador e professor do IFS.
Notas e referências:
(1) Levantamento Nominal dos Formados de 1812 a 2008 da Faculdade de Medicina da Bahia–UFBA.
(2) Dr. Sabino morou na rua do Rosário ao chegar em São Cristóvão. Correio Sergipense. São Cristóvão, 05 de março de 1842, nº 333, p. 04. Ele se casou com a baiana Jesuína Carolina de Sampaio (1819-1875). O casal veio para Sergipe com o filho Gustavo Gabriel Coelho de Sampaio (1834-1902), que se formou em Direito pela Faculdade de Olinda, em 1855. Gustavo chegou a ser desembargador do Tribunal da Relação de Sergipe, aposentando-se em 1897. BARRETO, Luiz Antonio. Cinco verbetes do Tribunal de Relação. Aracaju, 09/01/2008. Disponível em: https://infonet.com.br/blogs. Acesso em: 21 nov. 2023. O casal ainda teve uma filha, Eulália Jesuína de Sampaio; e um filho, Francisco Sabino Coelho de Sampaio, homônimo do pai, que chegou a ser Inspetor da Alfândega do Maranhão. Os dois nasceram em Sergipe. Ver: Echo Liberal. Aracaju, 11 de junho de 1882, nº 37, p. 02; O Democrata. Aracaju, 05 de maio de 1882, nº 102, p. 02.
(3) A Sociedade Dramática de São Cristóvão foi uma das primeiras tentativas de se promover a produção teatral em Sergipe, através de contribuição financeira dos associados. Correio Sergipense. São Cristóvão, 15 de out. de 1842, nº 392, p. 04. Em 1851, estava em obra a construção de um “teatrinho” da Sociedade Dramática. Correio Sergipense. São Cristóvão, 16 de julho de 1851, nº 50, p. 04.
(4) PERETTI, Anselmo Francisco. Fala com que o presidente abriu a Assembleia Provincial. Sergipe: Typographia Provincial, 14 de janeiro de 1844. p. 07. Dez anos depois, 1854, e ainda ocupando o cargo de comissário vacinador da capital, Dr. Sabino foi enviado à Estância para tentar adquirir, através das lâminas, a conservação do pus vacínico, para serem aplicadas de braço em braço. Correio Sergipense. São Cristóvão, 06 de maio de 1854, nº 33, p. 03.
(5) A varíola foi uma epidemia recorrente e preocupante para autoridades de saúde pública no século XIX. Correio Sergipense. São Cristóvão, 18 de outubro de 1845, nº 630, p. 01. Sobre os debates acerca da varíola e da vacinação no veiculados em dois importantes periódicos do Brasil no século XIX (Gazeta Médica da Bahia e Gazeta Médica do Rio de Janeiro), ver: FERNANDES, Tania. Imunização antivariólica no século XIX no Brasil: inoculação, variolização, vacina e revacinação. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, v.10, supl. 2, p. 461-474. 2003.
(6) Correio Sergipense. São Cristóvão, 13 de fevereiro de 1850, nº 13, p. 01.
(7) A primeira amputação de braço em Aracaju foi realizada com sucesso por dr. Sabino. O paciente foi o cabo de polícia José Rodrigues Patrício, apelidado de “Cafuba”. Dr. Sabino contou com o auxílio de mais três médicos para a amputação do braço do militar, que fora acometido por uma “sífilis inveterada”, cujo antebraço estava coberto de focos purulentos e necrosados, com uma “supuração abundante e fétida”. Correio Sergipense. São Cristóvão, 11 de março de 1854, nº 19. p. 02. Correio Sergipense. Aracaju, 21 de dezembro de 1859, nº 86. p. 04.
(8) Correio Sergipense. São Cristóvão, 12 de abril de 1851, nº 26. p. 04. Dr. Sabino manteve sua devoção por “Bom Jesus dos Passos”, mesmo depois que se mudou para a Paróquia de Aracaju. Jornal do Aracaju. 22 de setembro de 1877, nº 840, p. 04.
(9) Correio Sergipense. São Cristóvão, 04 de novembro de 1854. p. 01.
(10) Dos vinte deputados eleitos, dr. Sabino ficou em 16º lugar. Correio Sergipense. São Cristóvão, 27 de agosto de 1851, nº 61. p. 04.
(11) A União Liberal. Estância, 15 de janeiro de 1853, nº 43. p. 04.
(12) Correio Sergipense. Aracaju, 14 de setembro de 1864, nº 72. p. 02; Correio Sergipense. Aracaju, 11 de abril de 1866, nº 21. p. 04. Câmara Municipal de Aracaju. Relação de ex-presidentes da Câmara Municipal. Disponível em: https://www.aracaju.se.leg.br/. Acesso em: 21/11/2023.
(13) PRADO, José da Trindade. Relatório com que foi entregue a administração. Vila de Santo Amaro, 26 de setembro de 1855. p. 03.
(14) Correio Sergipense. Aracaju, 29 de dezembro de 1855, nº 61. p. 03.
(15) MAROIM, Barão de. Relatório com que foi entregue a administração. Aracaju: Typographia Provincial, 27 de fevereiro de 1856. p. 17-20.
(16) Correio Sergipense. Aracaju, 02 de abril de 1856, nº 16. p. 04.
(17) Para os médicos da época, os miasmas eram gases pútridos emanados de corpos orgânicos em decomposição, que corrompiam o ar e eram nocivos ao corpo humano. Para uma compreensão mais detalhada da teoria dos miasmas segundo a medicina do século XIX, ver: CHERNOVIZ, Pedro Luiz Napoleão. Dicionário de medicina popular. 2. ed. Rio de Janeiro: Eduardo & Henrique Laemmert, 1851. v. 3, p. 43-52. SAMPAIO, Francisco Sabino Coelho de. Relatório do provedor de saúde ao presidente da província. Aracaju, 22 de fevereiro de 1860. p. 02.
(18) Correio Sergipense. Aracaju, 15 de fevereiro de 1862, nº 13, p. 01. O plano e orçamento do Hospital de Caridade de Aracaju foi elaborado pelo major de engenheiro Sebastião José Basílio Pirro, sob parecer do dr. Francisco Sabino. A Esposa de dr. Sabino, d. Jesuína, foi nomeada protetora da enfermaria Santa Isabel do Hospital de Caridade Senhora da Conceição de Aracaju. Correio Sergipense. Aracaju, 09 de março de 1864, nº 20. p. 03.
(19) SAMPAIO, Francisco Sabino Coelho de. Relatório do Inspetor de Saúde Pública. Aracaju, 23 de fevereiro de 1874.
(20) O Republicano. Aracaju, 09 de janeiro de 1890, nº 51. p. 02. Dr. Sabino vacinava aos domingos na Câmara Municipal de Aracaju. Correio Sergipense. Aracaju, 07 de janeiro de 1860, nº 04. p. 04.
(21) GALVÃO, Manuel da C. Viagem Imperial a Sergipe. Bahia: Typographia do Diário, 1860. p. 16 e 39.
(22) Correio Sergipense. São Cristóvão, 03 de maio de 1851, nº 30. p. 04; Jornal do Aracaju, 21 de outubro de 1876, nº 742. p. 04; Jornal do Aracaju, 04 de setembro de 1878, nº 985. p. 04.
(23) BRASIL. Sergipe. Livro de Óbitos, 1874-1877, registro nº 2.448. Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Aracaju, p. 27. Disponível em: https://familysearch.org. Acesso em: 04/12/2023.
(24) Jornal do Aracaju, 07 de outubro de 1876, nº 738. p. 01.
(25) Dr. Francisco Sabino foi sepultado no cemitério de Aracaju e no mesmo túmulo de sua esposa. A certidão de óbito de dr. Sabino foi assinada pelo padre e líder político de Sergipe, Olímpio de Sousa Campos (1853-1906). BRASIL. Sergipe. Livro de Óbitos, 1890-1898, registro nº 8.605. Paróquia Nossa Senhora da Conceição, Aracaju, p. 93. Disponível em: https://familysearch.org. Acesso em: 02/12/2023.





