Licuri Sustentável promove protagonismo feminino na ciência em Sergipe
Iniciativa transforma o óleo de licuri em cosméticos sustentáveis, aproximando inovação, inclusão e formação científica de alunas do semiárido sergipano por meio do Meninas na Ciência Cotidiano 30/06/2025 12h30 |Durante muito tempo, a ciência foi um campo dominado majoritariamente por homens. Hoje, no entanto, essa realidade está sendo transformada graças a projetos como o Meninas na Ciência. Presente em várias regiões do Brasil, o programa visa quebrar a ideia de que a pesquisa é um território exclusivamente masculino, incentivando meninas e jovens a explorarem áreas tradicionalmente ligadas às Ciências Exatas e Engenharias.
Desde 2018, a Universidade Tiradentes (Unit) participa ativamente da iniciativa com apoio de instituições como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e a Fundação de Apoio à Pesquisa e Inovação Tecnológica de Sergipe (Fapitec/SE). Diversos projetos têm sido coordenados por suas pesquisadoras. Entre os destaques está o “Licuri Sustentável”, liderado pela professora Cleide Mara Faria Soares, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Processos (PEP) da Unit.
Essa colaboração, que inclui o Instituto de Tecnologia e Pesquisa (ITP) e a Universidade Federal de Sergipe (UFS), tem como propósito reduzir a disparidade de gênero na ciência, promovendo um futuro mais justo e aberto para novas gerações de pesquisadoras. As cientistas da Unit vêm desempenhando papel essencial na integração entre o ensino básico e a pesquisa acadêmica, oferecendo a estudantes do ensino médio a chance de participar de investigações científicas avançadas.
Sustentabilidade e ciência de mãos dadas
O projeto “Licuri Sustentável: Promovendo Talentos Femininos na Ciência e Tecnologia através da Biotransformação de Óleo Natural para a Produção de Produtos de Higiene Ecológicos” foi contemplado pelo Edital FAPITEC/SE/SPM nº 09/2024. Desde então, expandiu suas atividades para cidades do semiárido de Sergipe como Ribeirópolis, São Miguel do Aleixo e Moita Bonita. “Estamos levando ciência e tecnologia para perto das comunidades, incentivando a inclusão, a equidade e o desenvolvimento de futuras cientistas no estado”, afirma Cleide Mara.
Com foco na inovação tecnológica aliada à sustentabilidade, o projeto envolve diretamente 56 alunas do ensino médio, além de professores da rede pública que participam como orientadores ou bolsistas de apoio técnico. A iniciativa também conta com o apoio das pesquisadoras Juliana Cordeiro Cardoso, Patrícia Severino, Adriana de Jesus Santos, Adriana Karla Lima e do pesquisador Heriberto Alves dos Anjos.
As participantes são envolvidas desde a extração do óleo até a criação de produtos cosméticos sustentáveis. O objetivo é desenvolver fórmulas ecológicas e, ao mesmo tempo, despertar o interesse pela ciência através de oficinas práticas e ações de divulgação científica. As atividades estão alinhadas com a linha de pesquisa da professora Cleide, que investiga matérias-primas vegetais e biocatálise enzimática.
Entre os assuntos trabalhados nas oficinas estão a extração do óleo de licuri, transformações enzimáticas, formulação de cosméticos sustentáveis, temas ligados ao meio ambiente e à escolha profissional na ciência. O progresso das estudantes é acompanhado por avaliações feitas em três etapas: visitas às escolas, ida à Unit e realização das oficinas práticas.
“A participação das meninas em conteúdos que também são tratados na pós-graduação é intensa e relevante. Nas oficinas, elas interagem com mestrandas e doutorandas do Programa de Engenharia de Processos, vendo de perto como é construir uma trajetória científica. Os temas que abordamos, como a produção de cosméticos a partir do licuri, são os mesmos utilizados em pesquisas acadêmicas do PEP. Isso fortalece a conexão entre diferentes etapas da formação e incentiva o protagonismo das mulheres na ciência”, reforça Cleide.
Conexão com escolas e fortalecimento da representatividade
As atividades são realizadas quinzenal ou mensalmente, alternando encontros nas escolas com experiências nos laboratórios da Unit e do ITP. Participam instituições como o Colégio Municipal Josué Passos (Ribeirópolis), o Colégio Estadual Djenal Tavares de Queiroz (Moita Bonita) e o Centro de Excelência Miguel das Graças (São Miguel do Aleixo). A presença de ex-alunos como a professora Adriana de Jesus Santos e o professor Heriberto dos Anjos fortalece os vínculos com as comunidades escolares.
Para Adriana, retornar à escola onde estudou é um gesto de resistência e inspiração. “Poder encarar essas meninas e dizer que já estive sentada onde elas estão, e que hoje sou pesquisadora de um programa de pós-graduação com conceito 6 da Capes, é muito mais que simbólico. Quando era graduanda, já dizia a um dos meus professores que um dia seria pesquisadora da instituição. Quero que elas enxerguem em mim uma referência e percebam que, mesmo com desafios, é possível fazer ciência”, afirma.
Ela também destaca o impacto emocional de estar novamente em sua antiga escola, agora como cientista. “Venho de uma origem simples, sou a primeira mulher da minha família a ter um diploma. A maioria dos meus parentes é analfabeta. Conquistar o ensino superior parecia um sonho muito distante. Ter vivido essas dificuldades me ajuda a entender o quanto ainda é desigual o acesso à ciência, especialmente para meninas. Por isso, voltar e compartilhar conhecimento é também uma forma de transformação social”, relata.
Inclusão e empoderamento feminino
Para a estudante Mariana Costa Barbosa, do Colégio Estadual Djenal Tavares, o projeto foi uma chance de explorar talentos que ela mesma ainda não conhecia. Incentivada pelo professor de Química, ela decidiu participar para aprofundar o interesse pela ciência. “Já gostava da área e achei que seria uma ótima forma de aprender mais”, conta Mariana, que faz parte do projeto desde outubro de 2024.
Entre as experiências que mais marcaram a jovem estão a elaboração dos cosméticos e as atividades práticas nos laboratórios da Unit. “Fazer as formulações foi um momento especial. Pude entender melhor como tudo funciona e vi o quanto a ciência pode abrir caminhos para o meu futuro”, destaca.
O projeto não apenas reforçou sua afinidade com a ciência, como também despertou o desejo de seguir carreira na área da saúde. Mariana ressalta o quanto se sente representada e motivada. “Percebo que ainda existe preconceito sobre meninas na ciência, mas o projeto me mostrou que esse é um espaço nosso também. Me sinto mais confiante com relação ao meu futuro. Agora acredito mais no que posso conquistar”, diz.
União por uma ciência mais justa
Mesmo sendo voltado majoritariamente ao público feminino, o projeto também conta com aliados na luta pela equidade. É o caso de João Pedro Bezerra Gonzaga, aluno de Farmácia da Unit e bolsista FAPITEC, que desde 2024 atua em atividades como elaboração de kits ecológicos, oficinas e palestras para as alunas.
João Pedro acredita que ainda há uma desigualdade preocupante no meio científico. “O espaço continua sendo muito masculino. Como homem gay, não aceito que essa seja a realidade. É preciso mudar”, afirma. Para ele, trabalhar com pesquisadoras como Adriana, Cleide, Patrícia, Juliana, Adriana Karla e Heriberto tem sido uma experiência enriquecedora. Ele vê o projeto como fundamental para fomentar a participação de meninas na ciência e desenvolver sua autonomia intelectual. “O Meninas na Ciência estimula senso crítico, opinião própria e, acima de tudo, conhecimento. É um projeto que transforma”, diz.
João Pedro já tinha interesse pela área acadêmica e de pesquisa, mas a experiência consolidou essa escolha. Uma vivência marcante foi quando uma das estudantes agradeceu pela aula e disse que, a partir daquele momento, queria ser farmacêutica. “Foi uma das coisas mais bonitas que já ouvi”, compartilha.
Apoio à permanência e construção de futuro
Com financiamento da FAPITEC e da SPM, o projeto concede bolsas para garantir a participação e o engajamento das alunas. São seis bolsas no valor de R$ 300 para estudantes do ensino fundamental e médio, uma bolsa de R$ 700 para aluna de graduação, uma bolsa de R$ 2.100 para mestrado e duas bolsas de R$ 770 para professores orientadores. O valor total do projeto é de R$ 93 mil, destinados a fomentar uma ciência mais diversa e inclusiva.
A partir da biotransformação do óleo de licuri, a ação liderada por Cleide Mara extrapola os muros acadêmicos e se firma como uma ferramenta de impacto social. Alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU, principalmente os que tratam de igualdade de gênero, educação de qualidade e inovação, o “Licuri Sustentável” prova que apoiar meninas é investir no futuro da ciência.
Fonte: Asscom Unit





