SUS completa 37 anos: fortalecer os seus alicerces hoje é qualificar o sistema para o futuro
Ao longo desses 37 anos, o SUS acumulou conquistas que merecem ser celebradas Blogs e Colunas | Saúde em Dia 09/10/2025 21h04 - Atualizado em 09/10/2025 21h06Neste domingo, 5 de outubro, o Sistema Único de Saúde (SUS) completa 37 anos de sua instituição no Brasil, consolidando-se como o único modelo de saúde pública, entre países com mais de 100 milhões de habitantes, que adota a universalidade e a integralidade como diretrizes. É importante registrar que estamos considerando os 37 anos do SUS a partir da promulgação da Constituição Federal, em 5 de outubro de 1988, que instituiu o sistema como direito de todos e dever do Estado.
Recentemente, presenciamos a comemoração dos 35 anos da Lei Orgânica nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, que estabelece a organização e o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS). Para facilitar a compreensão e valorizar cada uma das datas que representam marcos fundamentais na trajetória do sistema, propomos uma analogia simbólica: a Constituição Federal de 1988 seria a certidão de nascimento do SUS (37 anos); a Lei Orgânica nº 8.080, sua carteira de identidade (35 anos); e a Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, que em breve também completará 35 anos, o CPF do sistema.
Mesmo sendo um adulto jovem, após 37 anos, desde a sua instituição pela Constituição de 1988, o Sistema Único de Saúde (SUS) continua enfrentando desafios significativos diante do contexto histórico atual do país. Para que possa seguir cumprindo sua missão, é essencial enfrentar fragilidades persistentes nas áreas de gestão, controle social, planejamento e financiamento, aspectos que demandam atenção constante e soluções eficazes, hoje, para que possamos colher bons frutos, amanhã.
Para que continue cumprindo a sua missão, especialmente no que diz respeito à consolidação de um sistema verdadeiramente universal e integral, destaco quatro agendas estratégicas que considero verdadeiros alicerces do SUS:
- 1º. – “Gestão” - qualificação e autonomia efetiva dos gestores de saúde, nas diversas esferas de governo;
- 2º. – “Conselhos de Saúde” - estruturação, qualificação e autonomia para exercerem suas missões;
- 3º. – “Planejamento” - Fortalecimento dos instrumentos, com foco na agenda da regionalização;
- 4º. – “Financiamento” - ampliação do financiamento e qualificação na utilização dos atuais recursos do SUS.
Os dois primeiros alicerces citados são fundamentais para uma efetiva qualificação do sistema. São eles que sustentam e viabilizam a efetivação dos demais elementos estruturantes do sistema, uma vez que representam o binômio “gestão” e “governança” do SUS, devidamente regulamentados no seu arcabouço legal.
O primeiro alicerce é a “gestão”, responsável por liderar o sistema de controles e processos indispensáveis ao alcance dos objetivos estratégicos definidos pela direção da organização. Seu exercício está subordinado às diretrizes, políticas e mecanismos de monitoramento estabelecidos pela governança corporativa. (Conceito extraído do “Guia de governança e gestão em saúde, aplicável a Secretarias e Conselhos de Saúde do Tribunal de Contas da União - 2018).
O segundo alicerce refere-se aos “Conselhos de Saúde”, instâncias que integram a estrutura de governança do Sistema Único de Saúde (SUS). No âmbito do setor público, a governança consiste, essencialmente, em um conjunto de mecanismos de liderança, estratégia e controle utilizados para avaliar, orientar e acompanhar a atuação da gestão, com o objetivo de assegurar a formulação de políticas públicas eficazes e a oferta de serviços que atendam aos interesses da sociedade. (Conceito extraído do “Guia de governança e gestão em saúde, aplicável a Secretarias e Conselhos de Saúde do Tribunal de Contas da União - 2018).
Portanto, a governança tem como função avaliar cenários, definir a direção estratégica e monitorar os acontecimentos para assegurar que essa direção esteja sendo seguida. Já a gestão é responsável por desenvolver os processos de trabalho necessários para executar o ciclo Planejar–Executar–Avaliar–Agir, com o objetivo de concretizar a direção estabelecida pela governança. Pela natureza dos temas que cada uma aborda, observa-se que a governança é atribuição das instâncias superiores da organização, enquanto a gestão é responsabilidade de todos os gestores.
Do ponto de vista legal, os Conselhos de Saúde são órgãos deliberativos e fiscalizadores, cuja atuação expressa os princípios da governança no SUS. Essa governança se materializa, por exemplo, na responsabilidade atribuída a esses colegiados de aprovar os Planos de Saúde quadrienais e os Relatórios Anuais de Gestão (RAG) de cada ente federativo, abrangendo os 5.569 municípios, os 26 estados, o Distrito Federal e o Governo Federal, através do Ministério da Saúde.
É possível afirmar que esses dois alicerces só exercerão plenamente as suas missões institucionais quando forem reconhecidos com qualificação e autonomia real dentro da estrutura do SUS. Para isso, é fundamental que esse tema seja colocado no centro dos debates, ocupando espaço nas agendas de governança. É urgente reconhecer a fragilidade institucional que ainda marca os espaços de gestão e dos Conselhos de Saúde, pois essa condição compromete os avanços e a qualificação do sistema. Essa pauta precisa ser incorporada, de forma efetiva, à agenda prioritária da macropolítica.
O terceiro alicerce, o fortalecimento do “planejamento do SUS”, através dos seus instrumentos, Plano, Programação Anual de Saúde e Relatórios de Gestão, com foco na regionalização, são fundamentais para que o sistema funcione de forma integrada, transparente e voltado às reais necessidades da população. Os instrumentos orientam as ações dos gestores, promovem a articulação entre os entes federativos, garantem controle social e ajudam a direcionar os recursos de forma mais eficiente. Sem esses instrumentos bem estruturados e respeitados, é muito difícil avançar na qualificação do SUS e na efetividade das políticas públicas em saúde.
O quarto alicerce, o financiamento, merece um destaque especial em toda essa agenda de qualificação do sistema. Sem entrar nos dados técnicos, é possível afirmar que o SUS tem enfrentado, historicamente, um cenário de subfinanciamento — especialmente quando consideramos suas responsabilidades enquanto sistema universal e integral. Além disso, é preciso estar atento ao risco de desfinanciamento, diante de propostas legislativas que discutem a desvinculação de receitas mínimas destinadas à saúde e à educação. Se mesmo com a vinculação constitucional já enfrentamos limitações orçamentárias, imaginar um cenário sem essa garantia é assumir a responsabilidade de um grave retrocesso.
Apesar de toda sua regulamentação legal e da trajetória construída ao longo de décadas, o SUS ainda deve à sociedade uma melhor organização e qualificação dos seus instrumentos de planejamento e orçamento. Essa fragilidade impacta, diretamente, em outra frente igualmente estratégica, que é a otimização e o uso qualificado dos atuais recursos disponíveis. É inadmissível que o SIOPS, sistema que recepciona os dados orçamentários do SUS, não dialogue plenamente com o DIGISUS, módulo planejamento, sistema responsável por consolidar os instrumentos de planejamento. Sobre esse tema, destaco a importância da Nota Técnica Tripartite, publicada em setembro de 2024, pelo Ministério da Saúde, CONASS – Conselho Nacional de Secretarias Estaduais de Saúde e CONASEMS - Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, que precisa ser pautada, amplamente debatida e, acima de tudo, efetivamente implementada.
Para conhecimento do conteúdo na íntegra da Nota Técnica Tripartite citada, segue o link para acesso: https://acrobat.adobe.com/id/urn:aaid:sc:VA6C2:f459292d-d25a-4d25-bd87-1dc327824962
O SUS precisa se reconectar com suas raízes históricas, forjadas nas lutas sociais e no movimento da reforma sanitária das décadas de 1970 e 1980, bases que deram origem a um sistema pensado coletivamente e traduzido, com força política, nas legislações que o sustentam. Ao mesmo tempo, é urgente que o SUS se modernize, revisite suas normas e enfrente lacunas que ainda comprometem sua efetividade.
Um exemplo emblemático é a Lei Orgânica nº 8.142/1990 que regulamenta o financiamento e o controle social no SUS. Desde a sua promulgação a Lei permanece sem qualquer atualização em sua redação original. Ela ainda menciona o Plano Quinquenal, quando na prática executamos planos quadrienais. Reconhece os Conselhos e Conferências de Saúde como instâncias de controle social, mas omite os Conselhos Locais, que são fundamentais para a participação comunitária. É preciso incorporar os avanços trazidos pelas resoluções do Conselho Nacional de Saúde a essa legislação, com o objetivo de fortalecer e instituir conquistas que foram pautas discutidas e aprovadas nesse colegiado.
Ao longo desses 37 anos, o SUS acumulou conquistas que merecem ser celebradas, e é fundamental que o povo brasileiro reconheça esse legado e se sinta parte dele. É verdade que ainda enfrentamos desafios importantes, mas não podemos deixar de valorizar avanços como a expressiva redução da mortalidade materno-infantil, a implantação da Estratégia de Saúde da Família, o maior programa público de transplantes do mundo, e um programa de vacinação que, mesmo anterior ao SUS, é referência internacional. São marcos que mostram a potência do sistema e reforçam a importância de defendê-lo e aprimorá-lo continuamente. É agora o momento de consolidar os alicerces que garantirão um SUS mais qualificado, justo e eficiente, no futuro.
Concluo, citando um depoimento do saudoso médico sanitarista e ex presidente do CONASEMS - Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde, Paulo Dantas, "As leis são feitas em tons de cinza, mas o SUS foi escrito com tintas vivas."
Texto de João Lima Júnior:
1- Cirurgião Dentista pela UFS (2001);
2- Sanitarista / Especialista em Saúde Pública;
3- Especialista em Serviços Especializados em Saúde;
4- Mestrando em Saúde da Família pela UFS/FIOCRUZ;
5- Atualmente Assessor Operacional do Ministério Público de Sergipe;
6- Representante da Associação Brasileira de Odontologia no FENTAS* e na Comissão de Finanças do CNS**.
*FENTAS – Fórum de Entidades Nacionais de Trabalhadores(as) de Saúde
**CNS – Conselho Nacional de Saúde
Colaboração de Patrícia Araújo Lima, Graduada em Direito pela UF; Pós graduada em Direito e Processo do Trabalho; Pós graduada em direito e processo Civil; e Mestra em Direito
Técnica em Direito lotada em Gabinete de Desebargador do TJSE.







André Carvalho é jornalista há mais de 20 anos. Formado pela Universidade Tiradentes (Unit), possui especialização em Marketing pela Faculdade de Negócios de Sergipe (Fanese). Foi apresentador de programa de rádio e televisão, e atuou como assessor de comunicação de vários órgãos públicos e secretarias municipais e estaduais. Atualmente, é editor do Caderno Saúde em Dia.
E-mail: jornalistaandrecarvalho@gmail.com
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