167 anos: Uma crônica de amor e gratidão no aniversário de Aracaju
Os encantamentos de quem viveu muitas e variadas emoções na capital sergipana Entretenimento | Por Monica Pinto 17/03/2022 07h00 |“Na minha rua só tem corno, é corno de um lado, corno do outro”. Com esse insólito pregão, um senhorzinho que vendia amendoim pela Atalaia chamava atenção para seu produto. O ano era 1987 e, em julho, eu me mudara para Aracaju, vinda do Rio de Janeiro, onde morava até então.
O criativo ambulante abre essa crônica porque, a meu ver, ele muito bem representa o espírito alegre que encontrei na capital sergipana. Tinha vindo passar o Ano Novo de 86 para 87 com minha amiga de infância, a arquiteta Sheila Trope. Apaixonei-me pela cidade e por aquele que, apenas seis meses depois, viria a ser meu marido, já na qualidade de pai da minha primogênita. Casei-me aos cinco meses de gestação, o que, longe de me envergonhar, só me trouxe alegrias.
Em Aracaju, numa casa que alugamos na Rua M, no Conjunto Olímpio Campos, no então desvalorizado bairro da Atalaia, tido como distante, minha filha recém-nascida era embalada por uma mãe sem emprego. Eu já chegara ao novo endereço gestante e, na perspectiva do mundo real, ninguém ia me contratar nessa circunstância. Junto ao meu primeiro marido, carioca e professor da rede pública, a luta para pagar as contas era grande e contínua. Mas nada disso me abalava de fato. Bastava colocar os pés na praia, mergulhar naquela água tépida, que os problemas se desvaneciam.
Depois, acabado o casamento e mantida a amizade – até hoje –, foi uma época de farras. Digo que, entre maridos, “fui para o mercado”. Com minha amiga então professora Célia Cunha, vivi o que chamávamos de “Segunda sem Lei”. Nesse dia da semana, íamos tomar umas cervejas e falar da vida, filosoficamente. Às quartas, o destino era o Gosto Gostoso, onde infalivelmente o ótimo Pantera abria seu show interpretando ‘Corsário’, de João Bosco. Teve também muita festa no bar do “Jaime da Line” onde, lá pelas tantas, eu cantava ‘Face a Face’, pagando um King-Kong diante da inevitável comparação com ninguém menos que Simone.
Em 1992, numa relação de dois dias – você não leu errado -, eu me casaria com meu segundo e até hoje marido, o compositor, artesão e publicitário Xambu. Aracaju me deu de presente dois ótimos cariocas, um grande amigo e um maluco-beleza que me aquece o coração e a alma. A relação que muitos encararam como “maluquice” – e eu entendo – completou 30 anos em fevereiro passado.
‘Sentir na carne” é uma expressão mais usada num contexto negativo, mas aqui é o contrário. Senti na carne, reiteradas vezes, a dimensão da solidariedade do povo sergipano em geral. Fiz uma legião de inesquecíveis amigos e amigas. No bojo da mulherada principalmente, recebi inspirações preciosas, generosidade e confiança perenes. É o caso de Adelaide e Tereza, esposas dos dois empresários para quem trabalho há 23 anos – os respectivos maridos delas, Laércio Oliveira e Fernando Carvalho, do Grupo Multserv. Com eles, a relação a princípio apenas profissional, como editora da revista Sergipe S/A, depois Sergipe Mais, derivou ainda mais célere para uma sólida amizade. Continuamos juntos até aqui, eu há dez anos auxiliando o jornalismo ético deste F5News, uma das empresas do grupo que ambos conduzem.
Justamente no aspecto profissional, Aracaju me deu régua e compasso, como se diz. Recém-formada no Rio, em 1988, minha filha bebê, fui contratada para o Jornal de Sergipe e de lá já dei um grande salto - salarial e de alcance como jornalista. O colega e depois amigo César Gama era editor do Cinform e também colunista do Jornal de Sergipe, que me empregava. Estou lá na redação escrevendo em máquina de datilografar manual - instrumento de tortura que me fez pagar pecados ainda nem cometidos -, chega César e me pergunta, do nada, se eu tinha interesse em fazer uma cobertura free lance contratada ao semanário pelo Lions Clube, que promoveria um evento de público significativo na capital. Nunca dispensei trabalho e fui. Ele apreciou os textos e espantou-se de eu ter escrito em uma matéria, corretamente, a palavra “idiossincrasia”, usada por um dos palestrantes. Com isso, fui parar no Cinform, em duas ocasiões diferentes. Sai e voltei, sai de novo, mas sempre deixando a porta aberta e a paz em todos os ambientes.
Aliás, Antônio Bonfim, à época proprietário do semanário, responde por parte de um dos banheiros da casa que eu e Xambu construimos na Coroa do Meio, num tempo de visível abandono do bairro pelo poder público. O jornal viabilizou que fizéssemos permutas com lojas de material de construção e isso auxiliou no árduo caminho entre adquirir um terreno sem escritura – o que cabia no nosso bolso – e erguer nele um lar.
Nesse período, meu trabalho ganhou corpo e projeção. Virei uma espécie de subcelebridade, só que sem receber para ir a festas de 15 anos. Fui jurada do Garota Riomar umas três vezes e também do Concurso de Quadrilhas que ocorria anualmente no então primeiro e único shopping de Aracaju. Achava a coisa mais linda do mundo – assim mesmo – aquela gente feliz, toda colorida, se balançando ao som de um delicioso forró. E já gostava de axé desde o Rio de Janeiro, mas depois acho que sofri overdose e hoje ouço só algumas músicas do gênero que me marcaram especialmente.
Isso já está grande demais e o fato é que escreveria um compêndio só sobre o tanto de gente da melhor qualidade que Aracaju colocou na minha jornada. De qualquer forma, nenhum texto expressaria devidamente a magnitude da gratidão e do carinho que brotaram em meus 17 anos de vida nessa linda cidade. Por razões de natureza familiar, em 2005, nos mudamos para Curitiba, onde tenho uma irmã e um irmão, também mais próximos do Rio de Janeiro, onde moram mais duas irmãs e um irmão. Aracaju ficou longe depois que meus pais morreram.
Agora conseguimos ter “um pé lá e outro cá”. Avistamos a bela Aracaju a partir da bucólica vizinha Barra dos Coqueiros, onde nos foi entregue recentemente outro lar para chamar de “nosso”. Uma benção a possibilitar reencontros mais frequentes, inclusive com o universo de amigos, amigas e chefes que não citei, sob risco de se aborrecerem comigo.Deixo para o final as maiores alegrias, personificadas por contribuições ao crescimento da população aracajuana. Minhas três filhas nasceram na capital sergipana – a primeira, Luiza, na Renascença; Mariana Lua, na Santa Helena, e Maria Zilda, na Santa Lúcia, onde também veio ao mundo minha querida enteada, Isabela, fruto do primeiro casamento de Xambu, que já tinha morado na capital de 78 a 82. Toda nossa prole é, portanto, de legítimas aracajuanas.
Essas quatro mulheres fortes, como a maioria das sergipanas, são para mim uma espécie de legado à cidade cujo povo tão bem me acolheu, onde fui esposa duas vezes; mãe, três, e uma jornalista de bom conceito – que procuro firmemente manter -, a quem nunca faltaram oportunidades.
Valeu demais, Aracaju, receba meu amor e gratidão, nos encontraremos com mais frequência.
* Monica Pinto é editora do portal F5News





